quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Peixe Migrador

Vivo nas profundezas das marés
Indo e vindo ao léu das águas
Navego, pego carona nas correntes marinhas
Me deixo levar, desprendido.
Vago com meu olhar pesqueiro,
Entre cardumes de xerelete.
Fisgo no dispersar das barbatanas
O sofrimento da vítima almejada
Ouso de longe o canto das baleias
Clamor agudo, súplicas em código Morse

Refém de Sádicos e Outros Autores

Leio palavras alheias
Como quem pula amarelinha
No espelho, brinco de faz-de-conta
Conjugo verbos de outrem
Finjo ser, sem saber
Finjo até pensar, sem querer
No arremedo da prosa, não sou ninguém
Não me encontro nas entrelinhas
Porém... Abro a janela-papél-imagem
Vagueio, enternecido, entre capítulos
Desdobro-me perdido na linguagem.
Refém inócuo da ficção
Sou um leitor incauto no labirinto da trama,
Marionete hipnótica do sádico autor.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Desejo da Fome

Depois de tão fogosa súplica,
Deixo que fique, que coma...
Que se lambuze, com toda gulodice
Pois que faça da gula minha fome
Que a farta ânsia alimente a sensação
E a angústia do acúmulo de tesão
Tempere em sabor o farto banquete.
Quero comer cada pecado, cada porção
Com a avidez da cumplicidade,
Mas sem a culpa da voracidade
Pra que talheres?
Temos dedos e mãos,
E temos línguas e membros
Temos, principalmente, o desejo da fome.

Netuno

O que se passa, meu caro?
Não me venha com velhas confusões
É fato que já passou
Esta roupa já não lhe cabe mais
Seus sentidos, assim como seu contorno,
Tudo em ti mudou, meu velho.
Também não lhe cabe mais o naufrágio do passado
O vai e vem da maré, remexe sedimentos,
Revira os resquícios da lembrança,
Deixa turva a transparência da visão
Quer saber meu amigo?
Somente lhe cabe a limpidez de águas claras
Sobre o reflexo do céu, desenha o rumo da esperança
Meu caro, meu velho, meu amigo...
Toque o barco, sem perder o prumo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ponto ação

No fraquejo do dia,
Lá no fim da labuta,
Amasso esbravejos
Resumo o passar da vida
Sem calvário, sem cortejos
Vejo passar o vento
Faço do tempo um sobe e desce figurado
Esbanjo ternura na lembrança
Passo a língua acima dos lábios
No gesto de amparo à lágrima,
Tromba d’água no vinco da face.
Com três letras acabo com tudo
Basta um “Fim” pra terminar o mundo
Um ponto pra encerrar a frase.
Com três pontos deixo a dúvida,
Reticente, na transparente imaginação...