quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Trocadilhos & Terroir

Lá vêm trocadilhos...
Travestidos em ambigüidades,
Ora líquidas, ora sólidas, ora sonoras
Hão de embeber-se em harmonia
Trazer na graça maliciosa
Toda bossa em melodia
Entre um mate e um biscoito Globo
Falam de vinhos diversos,
Cabernet, Tannat, Shiraz
Merlot, Bordeaux, Pinot Noir
Seja novo ou velho mundo
Paulistano ou carioca
Estaremos todos juntos
Na alegria dos risos,
Na satisfação do sabor,
Entre o fino e o popular,
Enaltecendo sentidos
Aguçando paladar,
Seja lá qual for o “terroir”...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Dúvida

Surge como um nó na garganta
Como no calafrio de um susto
Na surpresa do soluço incontido
Lá se vai, com altivez e reticência
A incontinência da dúvida,
Com toda sutileza...
Deixando para trás
Apenas incerteza.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Mote do Berro

Falo à minha alma todas as contradições
Passo trote, saboto o resto da certeza
Ouço cada palavra traiçoeira
Vejo o vulto proferido
Dar a volta palmo à frente
Até que o berro trôpego e traidor
Reverbere no próprio ouvido,
Que o eco da dislexia
Retorne como mote
A razão e a dor.

sábado, 2 de outubro de 2010

Ambulante da Senador Dantas

Entre tantos outros ambulantes,
Uma negra senhora, vendia mimos na calçada
Ouviu-se o grito: "É o rapa!!!"
Logo em seguida zuniu o apito
Todos, com exceção daquele corpo carcomido da lida,
Esquivaram-se na correria
O companheiro catou o que caira
O mendigo dobrou o tabuleiro
Passantes aos gritos diziam: "Vamos Tia! Corre!"
O guarda esmureceu, delegou ao passo toda culpa
Fez do tempo seu cúmplice
Retardou o ritmo, se negou o execício do poder
Parou, enquanto tudo se movia a sua frente
Do peso do fardo nada ficou
Lá se foi a senhora com seus mimos
E ele, feliz a contemplar a fuga.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Por Um Triz

Vez ou outra, sem planos ou pretensões,
O acaso surpreendia em luz e imagem
Alterava a fisiologia do corpo
Dilatava pupila, fazia suar todo almejo
Pouco durava, nada surtia
Bastava o assentar dos olhos
Mínimo instante formado na retina
Cenário, cor e movimento, tudo visto
Se quer uma palavra ou gesto.
O desejo, que de tanto medo,
Calava o beijo, aguava a boca,
Por um triz temia o toque,
Velava o ato.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Parte do Parto

Parte de mim em iminente partida
Parte de mim em pulsante investida
Parte a parte o que parte em miudos
Se desfaz num plano à parte.

A parte partida desprende-se à escassa memória
Embaralha símbolos perdidos na geografia
Curva-se ao tempo disperso
Retalha em fragmentos toda história

A parte pulsante remonta o impossível
Traz na imaginação a esperança
Na partida da lembrança
Guarda tudo pra depois

Do choro, do parto.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Degenerando

Tudo calado, quieto.
O Seletor de pensamentos
Gira a engrenagem, quebra o silêncio
Ensaia buscar a sintonia há tempos perdida
Mistura ruídos, imagens e cheiros
Confunde-se entre sentidos diversos
Na obsolescência da máquina
A memória se perde,
Dilui-se em tantos anos findos.
Tudo lento, inerte.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Metamorfose Picareta

Catando letra a letra
Maribondos afogados em metáforas
Proferiam a bem aventurada exaltação
A palavra dita sem vaidade
Na penumbra, no aconchego do bar
O zumbido do inseto embebido
Embalava o feto crescido
Criança pregando peça
Mamou no peito do mito
Foi à Lapa e voltou,
Metamorfoseou.
Já deixando saudades
A pequena Picareta criou asas.
Voa Picareta, voa...
Voa como a mais bela borboleta
Pouse em surtidas flores
Preencha de cores
Inunde de inspirações
Poetas desprendidos e avulsos,
Como nós.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

"Quem gosta de música, não sofre de solidão"

No quadrilátero etéreo
A serenidade com a cara enfiada
Na greta da janela, à espreita,
Olhando, sentindo...
Enquanto vê, enquanto sente
O vento avista.
Ao pleno movimento da pista
Palavras dançando com luzes e cores
Tudo se mexe, no mesmo ritmo.
“Quem gosta de música, não sofre de solidão”.
O Vento cego que passou
Não viu o que trouxe,
O balanço da frase entre aspas
Mexeu com tudo.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

À Esperança do Corpo

A lembrança enternece meu anseio
Tranquiliza a ousadia da vontade
Desarma e consome o impulso
Abranda quão irresistível a falta
O inanimado fastio me fadiga
Da força finda, resta a esperança
Saciar a fome do corpo
Que um dia a distância levou
Pra longe do meu.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Da Nossa Atrevida Saudade

Sim, ela bate, ela toca, ela sensibiliza
Chega de mansinho no meio do dia
Toda moderna, conectada, nos saltos da mídia
Invade o tempo, sem pedir licença
Traz consigo toda ânsia, todo afago
Ao vulto da maliciosa melancolia
Provoca arrepios...
Antagônico e sobrenatural calafrio
Faz transcorrer em segundos
Uma vida e um mundo
Sim, ela bate, ela toca, ela acaricia
Ela pulveriza, ela eterniza
Hiperbólica saudade.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Resposta aos Sussurros de Bartira

Em pleno outono, sinto uma brisa morna
Alísios que sopram no verão dos trópicos,
Envolvem o corpo adormecido
Como no susto de um vento frio
Faz a pele transfigurar em arrepios
Brota no sussurro baixo, no hálito,
No segredo do subconsciente
Chega como afago cálido
Deixa a nuca quente,
O espírito pálido.
Na solitude premente
Chega de outras latitudes
Ao pé do meu ouvido,
Que arrepio bom!

sábado, 5 de junho de 2010

Vendaval

O vendaval assovia canções na janela
Cadencia rajadas e sopros em partitura
Na regência do balé das folhas amarelas

De todo vivo, partida e desprendimento
De todo morto, saudosismo e sedimento
De todo, de tudo, o que resta?

A saudade do movimento,
Ao alcance de um gesto,
Somente vento...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O Pequeno Verso

Tão pequeno e contumaz
O verso, expressivamente inverso,
Traz na rima fugaz
Toda grandeza do universo

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Domingo de Outono

Na luz tímida de outono
O domingo se arrasta em devaneios
Repousa na preguiçosa lembrança
Conta folhas caindo em piruetas
Ao sol, atenuado pela brisa,
Espreguiça ao sacudir das árvores
Vai levando na flauta a calmaria do tempo
Um banho dourado cobre o relevo da vista
Antepõe a leve penumbra.
A crescente sombra avança
Envolve a derradeira esperança
Prelúdio da demência
Ao findar da monotonia do dia.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Uma Flor no Canadá

Será uma flor?
Uma flor entre tantas outras?
Não. Não apenas mais uma flor,
Mas a flor do amor,
Um amor de flor
Um botão sorridente
Com olhar ardente
Sim... Uma flor minha gente!
Uma flor que migrou...
Daqui do Brasil,
Pra lá...
Logo alí... No Canadá
Desabroche, linda flor
Com toda cor,
Todo perfume,
Todo lume,
Todo amor,
Mas que linda, a flor.

Amigo Solidário

E eu?
Não sou ninguém?
Não rezo, não digo amém
Ateu, solteiro
Carioca e brasileiro,
Mas amigo também!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Contradição

Quero fazer da sua vontade meu prazer,
Fantasiar desejos, suspirar, te entorpecer.
Na volúpia do seu movimento, me perder,
Me afogar no gozo lento.
Do cansaço, quero o arfar do bocejo,
Do descanso, o cíclico recomeço.

Breve mente

Diante do ímpeto,
Prefiro a culpa do arrojo
À indecisão do que fazer
A noite foi intensa,
Quente e curta
Repleta de histórias,
Percepções e sentidos
Quero aguçar a lembrança
Sem a brevidade do tempo,
Somente com o torpor da insaciada gula.
Deixe que venha,
Que aconteça,
Que mereça…
Que a libido enfureça nosso ardor
Que a razão fique tímida tamanha excitação
Que a cumplicidade afague ato por ato…
Aconteceu.

A Verve

Quanto mais tardia a tentação
Maior a sede e a vontade
Deixemos que o dia dilua seu calor
Salgar a pele no ardor da febre
Fazer emanar toda verve do verão
Enaltecer em energia
Desidratar em paixão
Ante o duvidoso riso
Nem a confirmação,
Nem a cínica esperança
Somente mais sede,
Mais vontade
Mais tempo
Mais...
Tudo
Ferve.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Prova

Provar o mundo,
Cada gota,
Cada gosto,
Cada cor,
Cada sabor
Cada dor
Cada amor
Provar o som,
Cada barulhinho,
Cada zunido,
Cada estrondo,
Cada zumbido,
Cada silêncio
Prove.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Rio de Omissão

Lá do alto não desce mais o samba
No lugar da pinga pro santo,
Gotejam lágrimas de bambas
Crianças não correm pelos becos
Lá no morro não há mais carnaval
Do Bumba aos Prazeres
O surdo lamenta o luto na marcação
Tristeza que desce em rios
De lama, de lixo...
De omissão.

quarta-feira, 31 de março de 2010

A Peça

No fim, um espetáculo barato
Marionete bipolar dissimulando ato
Tentativa covarde de ludibriar em cena
A trama, o drama e a pena...
Está pregada a peça!

quarta-feira, 17 de março de 2010

O sonho da alma

Dormi entranhado nos seus desejos,
Insuflando fantasias nos meus.
Desprendi-me no sono da alma
Meu espírito, liberto, varreu anseios
Vagou com toda calma
Meu corpo, quase morto
Ressuscitou em sobressaltos
Retornou saciado ao porto
Viu-se novamente encarcerado
No devaneio do sonnho de amanhã,
E depois, e depois...

terça-feira, 9 de março de 2010

Adorável Ninfa

Eita! Mas que menina traquina
Moleca arteira
Brinca, pula, de longe bolina
Ligeira, corre de qualquer maneira
Joga amarelinha, esconde-esconde e pique-cola
Astuta, sagaz na labuta da diversão
Inventa, recria, apalpa e tateia
Cansa, repousa e recomeça a inquietação
De olhos vendados lá vem a cabra-cega
Corre, agarra... Advinha quem é?
Não é menina, nem criança
Com brincadeira consegue o que quer
Com dança vira mulher
Com artimanha deixa os sentidos de pé!
Ahh... Adorável ninfa...

quinta-feira, 4 de março de 2010

Quase Todas as Artes

O filme foi como um tango portenho,
O capuccino como um chocolate suíço,
A cinta liga continua um segredo francês.
Tudo como um conto erótico,
Saboroso como um bolo de laranja,
Mas fui dormir com fome
Tive sonhos à Belle Epoque
Acordei bêbado num cabaré
Na ressaca literária pós Baudelaire
Me vi na pintura de Toulouse-Lautrec
No escarro de sua boemia Art Nouveau
Morri no simbolismo em “Uma Estação no Inferno”
Afogado numa poesia de Rimbaud.

O Céu de Lin

Quando olho pro céu eu vejo…
Vejo o que não tem fim
Vejo os olhos de alguém
Vejo o que vêem em mim
Quando olho pro céu eu vejo…
O azul dos olhos de outrem
Os astros que dizem como ninguém
Como ver mais além,
Quando olho pro céu digo amém.
Saúdo a chuva que há muito não vem
Chega em cúmulos nimbus algodão
Se desfaz em gostas vitais
Para reavivar o verde
Para matar a sede dos animais,
Quando olho pro céu peço perdão
Por vezes, o que vejo é pura ilusão
Quando olho pro céu eu vejo...
Quando olho... Sumiu
Quando vejo, ninguém viu
Quando olho pro céu...
Quando beijo
Eu vejo mel,
No céu da sua boca.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Na Complacência do Carnaval (Para Teresa)

O surto eufórico que rege o carnaval
Nem me fez ponderar saldáveis impulsos
Confesso, os fez multiplicar...
Seja qual for a fantasia,
Seja qual for o personagem,
Quero fazer parte da sua alegria
Arriscar, no compasso ritmado,
Trocar passos coreografados
Exaltar seu ego em gargalhadas
Te fazer a mais animada foliã
Sentir a mútua compulsão
Cantar na multidão o surto e a sutileza
Na evolução do “allegro” em refrão,
Pular, saltar em gestos e reverências
Ao soar do “adagio melancolico”,
Parar o relógio, congelar o mundo
Sentir seu corpo cálido,
Ser o contraste lúdico,
Entre claves de sol,
Sustenidos e bemol.
Em paralelo ao cortejo
Orquestrar nossa marcha,
Na complacência do carnaval...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O Beijo do Corte do Cantagalo

Fluía, no passo imaginário de sua consciência,
O caminhar da vida com o entardecer e suas nuvens
Ao findar daquele dia avermelhado de verão
Entre o fim da lida e o bocejo do descanso
Ele descia, embalado em todo peso do corpo
Contrapondo a inércia do almejo,
Do desejo e da vaga vontade
Lá no extremo oposto do Corte do Cantagalo
Até onde a vista alcançava
Ela subia, compondo quadro a quadro sua imagem
Entre eles o ir e vir turbulento
Uma rápida parada, um cumprimento
Uma troca de beijos jogados ao vento
Enquanto o tempo se esgueirava entre fantasias,
Face à indagativa dúvidosa da aproximação,
Amparado em acenos e cortejos mútuos
O gesto cruzou a via aos saltos e rodopios.
Dela arrancou um sinuoso sorriso,
Dele um afável e interminável suspiro ...

domingo, 17 de janeiro de 2010

Haiti

Passou o tempo,
O momento ruiu.
O relógio,
Carrossel de dois cavalos,
Girou em círculos assíncronos
Saltou anos em minutos
A memória se perdeu
Estonteada por movimentos circulares
Cansada e empoeirada, desistiu...
Diminuta e abandonada,
Reduziu-se a lembrança
Mas continua respirando
Sob o pó dos escombros.